Palavras Mudas? A palavra. O silêncio. Aquilo que antes permanecia não dito agora ganha voz. E nesse rasgo do silêncio pode-se tornar outro. Mudança, quebra. A palavra, então, muda. Sejam Bem Vindos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

PSICANÁLISE E MITO


É função da mitologia assegurar uma espécie de genealogia, de reconstruir com as palavras a questão sempre irresoluta da origem. O mito é o que dá forma épica à estrutura, fazendo entrar na linguagem aquilo que nela escapa, como um modo de colonizar essa hiância.

Todo mito encarna algo da ordem do Real, indizível por outras vias, pois a palavra do mito conserva um valor peculiar para transmitir sentidos que o logos não compreende. Como se apesar de todos os esforços do logos, somente o mito conseguisse tocar algo do Real pois, uma vez submetido definitivamente ao sistema da linguagem, o sujeito é obrigado a levar em conta este buraco na estrutura. É assim que também coletivamente, os mitos são forjados, quase que forçando a entrada deste buraco na linguagem, o que encerra a radical impossibilidade de uma congruência entre o mundo das coisas e o mundo das palavras. (Sperling, 1995)

Temos razões mais do que suficientes, razões necessárias, para reconhecer todo o apreço de Freud pela função do mito, não apenas na sua prática clínica de escuta e deciframento dos romances familiares de seus pacientes, mas também no âmbito de sua teorização metapsicológica, cujo trabalho se origina do mito. Da mesma forma, assistimos em Lacan a uma insistência pela retomada da experiência do mito a partir de uma articulação estruturalista, denominando por mito o cenário fantasístico central da neurose.

Freu opera uma desmitificação dos mitos, por mais paradoxal que seja o uso desta expressão neste caso. Sim, porque desmitificar implica uma conotação de valor negativo ao mito, como algo que tratasse de anular e condenar o mítico. Não é preciso ir muito longe para lembrar o quanto na linguagem comum a palavra mito aparece como sinônimo de mentira, irrealidade, engano, enfim, toda uma série de expressões que aludem ao caráter maligno do mito, como mitômano, por exemplo. Além disso, temos também o uso do mito como referência a um elemento próprio de uma etapa infantil e superada definitivamente da humanidade ou, ainda, como uma atribuição ingênua de poderes à natureza divinizada e que será desmentida pela ciência que pretende trazer a luz da verdade. (Sperling, 1995)

A desmitificação do mito realizada pela psicanálise, como também pela antropologia, pela literatura ou mesmo por algumas vertentes da filosofia, resgata com justiça a dignidade do mito que a razão Iluminista, sobretudo, condenou ao inferno da obscuridade. Felizmente essas disciplinas restituem ao mito seu caráter fundante, sua riqueza de sentido e sua pregnância simbólica. Para os gregos antigos não havia oposição entre mito e logos, tampouco entre mito e história, sendo interessante lembrar que a História, como disciplina que se conserva até a modernidade, nasce justamente na Grécia (Sperling, 1995). Toda história parece necessitar de um mito em sua origem e as narrativas dos mitos veiculam concepções de tempo e falam de diferentes modos dos personagens que protagonizaram essas origens, sem um abismo definitivo entre esses elementos que permaneceram como estruturas aceitáveis.

Entretanto, dois marcos foram determinantes para que o mito cedesse seu reinado a outro tipo de relato e a outra forma de compreensão do mundo: um com o advento do discurso platônico que estabelece a diferença entre epistheme e doxa , introduzindo também o conceito de verdade e a exigência de que todo conhecimento autêntico tenha que dar conta de seus fundamentos, lançando com isso as bases para o domínio da razão a qual deverá estabelecer as regras de validade de todo saber. O segundo marco, ainda que anterior no tempo, foi a revolução monoteísta do judaísmo e a fé num Deus único, inominável e irrepresentável, criador ex nihilo e, portanto, não encarnado na natureza, mas fabricante dela (Sperling, 1995). Enquanto o mito indica o Real indizível no registro do imaginário, a Torah, a Lei, a palavra, impõe definitivamente a ordem simbólica. O imaginário, plano onde se aspira ao retorno de uma ilusória unidade primordial - à mãe, ao incesto -, não desaparece, mas é a Lei do Pai que, ao estabelecer a interdição, instaura a definitiva impossibilidade do imaginarizado e a mudança dessa aspiração para o registro simbólico.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Subjetividade + sociedade + singularidade
 
    
No mundo contemporâneo, estes três conceitos - Subjetividade, sociedade e singularidade - entrelaçam-se de forma bastante especifica. Mais do que nunca, a subjetivação atravessada pelo laço social fica evidente. Até onde o sujeito é "dono de si"?
Onde termina a fronteira entre Eu e o Outro?
            Subjetivar-se é tomar algo para si. Apropriar-se de algo e incorporar isto à
imagem de si próprio.
            Cria-se, assim, uma idéia de sujeito. Entretanto, este ser torna-se sujeito de si
justamente pelo contato com o mundo. Com suas idéias, seus conceitos, suas transformações, o mundo "molda" os sujeitos, torna-se um duplo espelho: os homens formam o mundo, que forma novos homens. A circularidade parece não ter fim.
            Com o avanço das tecnologias, o fluxo de informações é cada vez maior e mais veloz.
Somos tomados por essa enxurrada de possibilidades de existência. Diversos estilos de vida, varias maneiras de viver, de conviver com o outro, de ser sujeito.
A massificação social passa a ser praxe. E quem não consegue acompanhar os estilos em
evidência, torna-se um estranho. "Há espaço para ser eu mesmo?", pergunta-se o sujeito
contemporâneo. A resposta é: talvez. Tarefa difícil no contexto atual. Entretanto,
pode-se continuar recebendo todos os estímulos vindos da sociedade sem, necessariamente,
entrar no jogo. O processo de singularidade trata-se justamente disto:
apropriar-se para poder criar. Tornar aquilo que o mundo nos oferece em algo
novo, diferente, singular. O modo de vida pode, portanto, ser diferente daquele que as capas
de revista nos ofertam. Uma relação antropofágica de mundo ainda é possível. Engolir o que o mundo nos oferece, prestando atenção àquilo que realmente queremos ou podemos digerir.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

AS TRÊS ECOLOGIAS



Felix Guattari já inicia seu texto "As três Ecologias" postulando um futuro dramático: "os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma profunda deteriorização". Tal afirmativa baseia-se no diagnóstico do presente momento, onde, apesar das inúmeras conquistas tecno-científicas, a maneira de conduzir a vida sobre o planeta Terra vem construindo uma forma não sustentável de sobrevivência.
Falo aqui em outra sustentabilidade, ampliando o sentido usado no trato das questões ambientais para reconduzir seu sentido: sustentabilidade enquanto modo de vida que se renove, que se constitua enquanto possibilidade de criação, de trans-formação.
As ecologias de que fala Guattari são divididas em três registros: o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana. Não é preciso ir muito longe para verificar que nestas três questões o homem contemporâneo precisa pôr-se em analise.
No filme "Ilha das Flores", de Jorge Furtado, a narrativa consegue exemplificar a forma maquínica como vivemos ainda hoje: a serialização dos acontecimentos, a impessoalidade, a forma trágica como o homem vem se constituindo enquanto "ser de valor". Valores esse que se remetem somente ao lucro, ao beneficio próprio e imediatista.
Esse mesmo tipo de pensamento egocêntrico é bastante claro em " A historia das Coisas". Não há uma preocupação com as conseqüências do que é fabricado, do lixo que é produzido, da forma como os trabalhadores (principalmente do Terceiro Mundo) são tratados. O objetivo único é a continuação e crescimento do sistema capitalista. O preço que é pago para manter esse sistema, entretanto, pode e deve ser questionado.
Mas de que maneira mudar esse fluxo continuo de depreciação do ser humano, das relações com o outro e com a natureza? Guattari sugere a criatividade como linha de fuga.
A criatividade deve ser a linha mestra para produzir novas formas de relação. Um novo olhar, dotado de um interesse ético-estético (portanto, também político) deve surgir. Desvencilhar o homem contemporâneo do paradigma cientificista que nos trouxe até aqui. As conquistas tecnológicas foram úteis. Para quem? Mesmo com toda a tecnologia existente, homens ainda morrem de fome, trabalhadores desmaiam pelas fabricas insalubres, mulheres são ainda vistas como seres diminutos, o clima continua aumentando sua temperatura... Quem se beneficia de todo este sistema?
A arte serve como molde, não a ser reproduzido, mas como inspiração. O ato criativo, que já gerou inúmeras conquistas, ainda pode transformar o cenário mundial. 

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ponto de Mutação

O título do filme “Ponto de Mutação”, drama dirigido por Berntfundou Capra (1992), sintetiza a reflexão a cerca da  necessidade de uma mudança de paradigma no trato e conceituação da ciência contemporânea. Hoje se exige do cientista a compreensão dos fenômenos como sistêmicos e integrados. Torna-se necessário que a interpretação da vida seja encarada de uma forma nova. Explicar a vida não mais a partir de suas partes fragmentadas e isoladas, mas o grande desafio apontado na obra, reside em buscar uma percepção das conexões e associações sistêmicas do mundo com o ambiente ecológico.
 O roteiro faz uma crítica à inexistência de uma ciência pura justificada em si mesmo a partir da autonomia dos cientistas em fazer a escolha dos assuntos que mais os fascina isentos de qualquer influência externa de caráter político ou mercadológico.
 Os filósofos do século XVIII foram citados, a exemplo de Descartes e Newton, por serem representantes de uma forma de conceber a ciência dentro dos princípios e valores mecanicistas. Certamente essa contribuição que na época foi um grande salto para interpretar o mundo para além do misticismo e dogmas do passado medieval, hoje já está superada. Como forma de explicar o mundo naquela época, foi utilizada a metáfora da visão do mundo como um grande relógio perfeito como exemplo. Para entender esse mundo bastaria decompor as suas partes para que fosse percebido o todo.
 Os pensadores racionalistas e mecanicistas, dessa forma, determinaram os rumos da ciência no ocidente, forma esta que permaneceu hegemônica até os dias atuais. Segundo o filme, é essa noção de mundo que já não basta para explicar o presente.  A mudança do mundo contemporâneo exige uma nova cosmovisão que dê conta da resolução dos graves problemas ecológicos, sociais e econômicos, todos eles criados pela sociedade tecno-industrial liberal do século XVIII.
Traçando um paralelo com a contemporaneidade, podemos verificar que existe uma pauta de prioridades da produção científica no mundo que é definida pelo Estado ou pelos agentes privados, que detém o poder econômico. Essas instituições públicas e privadas em toda parte do planeta, dirigem e determinam a sua estratégia, o que deve ser pesquisado e que não é prioridade. No argumento de um dos personagens do filme é dito que 70% das pesquisas científicas nos EUA, atualmente, são pagas pelos militares do Pentágono.
No nosso país, mesmo em condições econômicas muito menos favoráveis do que nos EUA, devido à globalização, também é possível perceber essa tendência de  um certo dirigismo intelectual. No ambiente de produção científico inicialmente de muitas Universidades Federais, que mais tarde se reproduziu nas Estaduais, quando foram criados os chamados “Centros de Excelência”.
Na década de 90, com a montagem do modelo neoliberal, que esse modelo se disseminou. As estruturas acadêmicas se adaptaram, muitas vezes em nome da obtenção de verbas e convênios aparentemente “desinteressados”, quando reitores e diretores das instituições modelaram a produção científica para atender os interesses das grandes corporações.
Esses centros passaram a dedicar a sua produção a temas de interesses de grandes grupos econômicos, alguns estrangeiros, que vinculam o seu apoio a determinadas áreas, desprezando outras, através de convênios e cooptação de núcleos de pesquisa oferecendo bolsas e verbas. Não raro, devido a busca de oportunidades de trabalho e de reconhecimento, ocorre frequentemente a migração de competentes cientistas rumo aos países do Primeiro Mundo. Deslocam-se para as mesmas nações que curiosamente determinam e impõe obstáculos ao nosso desenvolvimento, autonomia  e soberania tecnológica.
O filme esboça a idéia de uma nova percepção científica denominada de Teoria dos Sistemas, segundo a qual todos os seres vivos, estão integrados através de sistemas sociais e por ecossistemas. Essa visão holística integra as partes com o todo e permite que sejam feitas as interconexões existentes entre a VIDA e as MATÉRIAS.
É preciso que o mundo seja pensado como processos integrados e não como estruturas. O pensamento cartesiano elabora a sua percepção mecanicamente. A metáfora do relógio perfeito já não serve mais para analisar os padrões globais complexos do mundo contemporâneo.
Com a mudança radical dos ideais e valores da humanidade, poderemos promover o avanço de um novo padrão de ciência que proponha a efetiva resolução de parte dos problemas da humanidade sem criar outros muito mais nocivos. Somente assim, a ciência alcançará um patamar ético aceitável para a convivência entre homem e natureza, entre a vida e a sua reprodução saudável.  Um salto de qualidade, um “Ponto de Mutação”.

sábado, 19 de março de 2011

quinta-feira, 17 de março de 2011

HISTERIA (MODE ON)

como controlar esse impulso que me joga sempre na direção de querer mostrar pra ti o quanto sofro?
o quanto choro? o quanto sangro?
a medida de minha existencia é delineada pelo tamanho da dor?
doer é existir?
existir é, enfim, colocar-me à tua disposição para que tu, sim, possa me dizer quem sou.
infeliz desse que chora na busca eterna de um riso perdido,
na lagrima cansada de rolar.
histerico cansado de si mesmo, de nao saber quem é si mesmo,
cansado de buscar em ti o que se perdeu em mim.
me devolve pra mim?
devolve esse restinho de homem que um dia fui.
devolve aquela vontade, mesmo que minima, de continuar a andar.
tuas palavras nao conseguem superar meus pensamentos circulares.
nada do que digas pode, triste isso, ser maior que a minha falta de...
de que mesmo?
nem sei mais o que entreguei a ti.
esses meus pedaços de carne amarrados sao tao bobos quando tentam conversar entre si.
(i.h.)

Delicada Revolução

nada de quebrar pratos, pois
o movimento agora é lento.
sereno, interno.
lingua salivada em sub-texto,
em nao-dito.
revolução pela palavra,
dita, nao dita.
oleando as juntas,
delicado, vou.

(i.h.)